A concepção da “Fabulosa Máquina de Fazer Parar o Tempo”, inspirou-se no romance ”A Máquina do Tempo”, de H.G. Hells, publicado em 1895.
Estes são alguns dos seus relatos de viagens e encontros: colecção de crónicas e memórias de alguns dos momentos parados no tempo. |
Torres Vedras, Festival Novas Invasões.
Era uma noite calma. Uma família normal e divertida... A ideia era simples: além dos habituais adereços pessoais, normalmente chapéus, haviam sido acrescentados dois leques e uma sombrinha chinesa, para serem usados à discrição pelos retratados. E ainda, alguns objectos decorativos. Dos quais, os mesmos retratados deveriam colocar, pelo menos um, na mesinha branca. Cada um desses objectos teria um significado simbólico, que no entanto, só foi revelado a pedido. E não foi o caso. Mas algo estava a correr mal... Por vezes há retratos que se extraviam. Que se deterioram... Ou são destruídos... Ou, como neste caso, que se recusam simplesmente a ser feitos. Quais memórias que não devem (não querem?) permanecer... Este era um retrato que não queria ser retrato. Por duas vezes tentadas... Não aconteceu. Seria por causa do tio? Seria da moldura sem retrato? Temo nunca vir a saber... Finalmente o retrato aconteceu. À terceira tentativa... Mas não está aqui. . |
Piódão - Serra do Açor.
Provavelmente, uma das mais belas aldeias de Portugal. "As Catraias da Estrada Real do Piódão", festa alusiva à memória do séc XIX, verdadeira viagem no tempo, com baptizado, piquenique e jogo de futebol entre solteiros e casados.
E onde não faltaram os fotógrafos, sempre a postos para retratar os habitantes, que se vestiram a rigor para o momento solene. Um dia. Apenas um dia. Que me deixa uma memória com sabor agridoce. Sentimentos contraditórios, difusos. Ou estratificados, tal como o xisto, pedra tão abundante na região. Pelo caminho, cerca das 8:30h da manhã. Algumas nuvens baixas escondiam partes da paisagem, enquanto outras me sorriam à luz dos raios de sol da manhã.
A certo momento, na esguia e curvilínea estrada que circunda a serra, aproveito um oportuno desvio, especialmente destinado a paragens. A paisagem assim o impunha: demasiado bela para poder não ser registada. Ao fundo, um belo vale. E uma aldeia tradicional, iluminada pelos raios de luz, da qual não soube o nome. Em primeiro plano: algumas árvores queimadas. Todas. Por muitos quilómetros de serra. Pinheiros e choupos (pareceu-me)... O fogo teria sido há tempo suficiente para voltarem a rebentar... Mas não. Troncos e galhos, pretos e brancos, ainda sem folhas. No outro lado da estrada, em minha direcção, um caminhante. Aparentemente vindo de lugar nenhum... Só estrada e montes se avistavam.
Envergava uma mistura estranha de roupas. Fato de treino azul e roupas tradicionais, pareceu-me. Mas não vi muito bem. Sei que tinha um cajado, e trazia pelos ombros algo que me pareceu feito de pele de ovelha. Perguntei-lhe se Piódão seria por ali, respondeu-me que sim, ali ao fundo. Não se via... Agradeci, e elogiei a paisagem. Estava a fazer umas fotografias, disse-lhe. À noite é melhor, respondeu-me. A esta hora o nevoeiro tapa tudo. Não retorqui... Fiquei apenas a pensar, como seria aquela paisagem à noite... O senhor saberia do que falava. Eu não. Certamente que a noite dele, não seria a mesma que a minha... Fim de festa. E um senhor não regressou a casa. Por algum tempo, apenas o silêncio se ouviu no local. Há momentos perante os quais, tudo o resto perde importância. Não me aproximei demasiado... Mas tenho esperança que não tenha sido algum dos meus retratados... Apesar da tradição, não gostaria de lhe ter feito o último retrato...
Fiquei pelo largo. Depois da festa poderia ter permanecido um pouco mais, visitar o interior, mas sem bateria, era também a minha vez de partir. A viagem de regresso a casa, seria longa. Mas hei-de lá voltar. Talvez. Outra viagem... Para regular o sabor e avivar a memória, restam-me agora - mas não por muito tempo -, um queijo de cabra e um chouriço, que trouxe, em troca de dois retratos. E uma caixa de “cajadas”, doce típico de Piódão. E também alguns retratos. Outras memórias... Essas mais duráveis. |
Moinho do Cu Torto – Évora.
Quando ouvi pela primeira vez este nome, pensei que tivesse entendido mal. Solicitei repetição... Mais tarde explicaram-me que o nome deste moinho refere a alcunha do seu antigo moleiro. Agora como apoio ao restaurante com o mesmo nome, ali se fazem verdadeiros resgates da memória, através da gastronomia. Quais fotografias comestíveis. Conheci o seu proprietário, através de um outro amigo, escritor, e por essa via, ligado à fotografia à la minute. Recordo com prazer, a paixão com que me mostrava os tradicionais modos de fazer o pão. E o vinho... Em Vasilhas de barro gigantes, do tamanho de pessoas. Tradição trazida pelos romanos, explicava-me. E quase ainda posso sentir o sabor da sua maravilhosa comida, assim como o calor alentejano, calor humano, refiro-me, sempre atento, embora discreto e não invasivo. Feita à chegada, a primeira fotografia do dia. Câmara montada à pressa, e uma entrada acidental de luz, quase que a estragava. Mas afinal não. Ao contrário, e devido a esse acaso feliz, aquela recriação transfigurou-se em imagem de uma realidade alternativa. Num ápice, ali estava de volta o moleiro do cu torto. Será ele o senhor de avental, em cima da plataforma? O da esquerda, que ergue um molho de trigo? O outro? Nunca saberei... Mais tarde, foi-me oferecida por um outro amigo fotógrafo (dos melhores impressores portugueses), uma cópia ampliada e executada com materiais de longa duração. A imagem é agora eterna e intemporal. E os amigos nunca se esquecem. |
Funchal - Ilha da Madeira.
Cidade onde passei cinco anos da minha primeira infância, e onde não tive oportunidade de voltar. Até agora. Por dois dias. |
Foram dois dias iguais a tantos outros... Mas onde tudo foi diferente.
Entre memórias de infância que já não existem, amigos que não vi, espetadas, lapas e ponchas que entretanto escorregavam depressa demais, estava aquela rua: a rua onde tudo aconteceu... E onde tudo parou. O “Madeira Street Art Festival”, evento acabado de nascer, dava os primeiros passos, é certo, mas mostrava-se capaz de captar as atenções de todos os transeuntes, que a princípio, incrédulos, estranharam tais movimentos... Mas depressa a rua se transfigurou num formigueiro de povo, criativo e sedento. E onde o tempo parou. E os retratos eram vivos. |
Sempre suspeitei que a arte de não fazer nada, deveria ser a mais nobre das artes. Não é fácil não fazer nada. Talvez seja mais difícil ainda, que não existir.
Não existir é só isso: num momento existe-se, noutro não... E pronto, está feito. Mas não fazer nada, é muito mais que parar para o retrato. É ser o próprio retrato! Um retrato analógico, químico. E a vida é química, dizem os cientistas... |
Para se poder não fazer nada, há que fazer-se tudo. Fixar tudo. Até a memória!
Do local das minhas memórias esquecidas, regressei com outras memórias... E mais alguns amigos. |
O retrato I – Feira das Mercês (Sintra).
Eu quero fazer um retrato desses, começou por dizer o senhor, logo ao aproximar-se. E continuou explicando: eu há mais de 20 anos, fiz um retrato desses na Figueira da Foz e nunca mais esqueci. E daí para cá, já fiz centenas de retratos com telemóveis e dessas outras máquinas, e já não me lembro de quase nenhum. Não é um retrato brilhante, condições péssimas, pouca luz e menos experiência. Terá sido um dos primeiros 100 retratos efectuados com esta câmara, muito longe das primeiras 100 mil fotografias que refere Cartier-Bresson. Não sei o nome do senhor. Nada lhe perguntei, nem mesmo isso. Mas ainda assim, também não esqueci, nem o retrato, nem o que disse. Tanto que o recordo, vezes sem conta, perante outros retratos e retratados. Assim como não esqueci o orgulho com que fez questão de parar, por 6 segundos, como quis. A participar no registo da sua imagem, para sua memória. Sinto que esse orgulho ficou. |
O retrato II - Mês da Fotografia 2018 (Barreiro)
Não... Não quero... Dizia a senhora, visivelmente nervosa. A ideia é simples: uma cadeira, uma coluna ou mesinha, e uma moldura onde se coloca um retrato. E uma pessoa que se senta nessa cadeira: a mesma que figura no retrato. Consiste em representar o tempo de uma vida num só retrato. Não quero saber o que se passou, isso fica com cada um, é assunto íntimo, só quero a imagem. E ofereço-lhe uma cópia, expliquei. Não... Não quero... Repetia a senhora... Ainda mais incomodada. Depois de ter concordado em ceder um retrato seu quando nova, e a comparecer para uma sessão fotográfica, que lhe fora previamente explicada, a senhora no entanto hesitava. Já não queria posar... Nervosa, mudara de ideias. Não insisti... Em vez disso, fiz outros retratos. E a senhora mudou de ideias... Não me disse porquê. Gostou muito! E não quero saber mais nada. A vida por vezes é assim... |
Retrato III - Dia mundial da Criança 2019
(Convento S. Francisco - Santarém) Aquela música... Sim, aquela música! Os Cavalos Vapor... E o OsSo... E a Gralha... A natureza de pedra... E o animal... Dia da criança. Evento para famílias. Crianças a desenhar, crianças a jogar jogos tradicionais... Crianças a moldar barro, crianças a brincar... Crianças e seus pais, irmãos, tios... A parar no tempo... A passagem é estreita. E de fugida... As carpideiras. E o cavalo que penteia a crina... E aquela música... O violoncelo... E tantos em mim... |